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Não foi de repente...

Não foi de repente...

Não foi de repente que aconteceu – ela queria explicar para os filhos.

Mas como, se durante tantos anos ela escondeu deles o quanto sofria com as humilhações que o marido a fazia passar na frente dos amigos e dos familiares. Ela se fez de demente tantas vezes, fingindo até para si mesma que o que ele fazia não a afetava.


Agora ela acreditava que a esperança da Caixa de Pandora também faz parte das maldições. A esperança de que um dia ele iria perceber o mal que fazia a ela e aos filhos, com seu comportamento arrogante e agressivo. A esperança apenas prorrogou o sofrimento.


Somente quando começou a doer no corpo e a tristeza foi corroendo sua alma é que ela conseguiu dar um basta.


O padre insistia que ela devia pensar nos filhos, que ele era até um bom pai...

Para ser um bom pai, é preciso ser um bom homem, e um Homem não maltrata uma mulher – ela refletia.


Para ele, maltratar seria bater nela e ele se orgulhava de nunca ter feito isso, mesmo que ela o merecesse, como dizia em várias vezes.


A cada: “você é burra!”, “é só seguir o que eu mando que fica tudo bem”, “você não consegue fazer nada direito”, “você ficará sozinha se eu te largar”, a dor emocional se assemelhava a uma surra.


Conseguia compreender que ele sofreu muito na vida, que teve um pai agressivo, que precisou ser forte. Ele entendeu que ser forte era ser controlador e o medo de aparentar fraqueza o fez ser radical e não aceitar que pessoas podem ter ideias diferentes das suas, gostos e comportamentos distintos dos seus e que não precisam ser encarados como inimigos que devem ser excluídos do convívio.

Descobriu que não podia salvá-lo dele mesmo.

Pensou melhor e falou para os filhos tão somente - “não foi de repente a decisão de se separar”

E para surpresa dela, os filhos compreenderam, porque não há como esconder a tristeza por tanto tempo.


Em na mala que carregava havia ainda muita mágoa e muito ressentimento, contudo, entremeados a tudo isso havia também a certeza de ser forte, porque cultivou a resiliência, a capacidade de agir, a decisão de se tornar novamente visível, a vontade de voltar a sorrir e a certeza de que ela merece ser amada e recomeçará se amando novamente.



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